Eram casados há 27 anos. Mas, agora precisava ir embora. Ela havia mudado muito durante todo esse tempo. Seus hábitos, seus pensamentos, seus desejos eram novos. Precisava viver novas experiências.
Não. Não havia arranjado outro, nem pensava nisso, ainda amava seu marido, tinha certeza. Só precisava mudar, não podia mais morar numa cidade sem praia, sem brisa, sem ar puro. Precisava realizar outros projetos de vida.
Estava pensando nesse assunto há 5 meses, mas a coragem de contar para seu marido não chegava. Até que nesta noite quando estavam deitados para dormir, iniciou o diálogo:
- Carlos, lembra da nossa primeira viagem? Perguntou temerosa.
- Claro que lembro, amor. Foi para aquela cidadezinha da Bahia, que tem uma praia linda... como é mesmo o nome? Esqueci...
- Subaúma.
- Isso, Subaúma, lindo lugar. Disse olhando para o teto, pensativo.
- E você lembra do nosso passatempo lá, além de namorar?
- Fazíamos castelos de areia, depois sentávamos e ficávamos olhando as ondas do mar desfazê-los. Às vezes uma só onda os destruía por completo, outras vezes, era preciso várias ondas. Mas, porque esta lembrança agora?
- Nada! Vamos dormir.
Abraçaram-se e dormiram quietos. Ela não teve coragem mais uma vez e pensou que não iria tê-la nunca. Afinal, Carlos era um bom marido, companheiro, atencioso. Bem, mas ela estava decidida.
E foi assim, que acordou naquela manhã de sexta-feira, com a certeza de que aquele seria um dia decisivo na sua vida. Levantou-se mais cedo, preparou ela mesma o café para os dois, como há muito tempo não fazia.
Durante o café, falou para o marido que precisavam almoçar juntos. Ele achou-a estranha desde a noite anterior e quis saber do que se tratava, mas ela desconversou. Ele foi trabalhar e ela ficou em casa arrumando as malas.
As 12 e meia, ela chegava no restaurante combinado, perto do trabalho de Carlos já esperava ansioso, sabia que naquele momento poderia perder a mulher da sua vida.
Ela deu-lhe um beijo no rosto e sentou-se. Pediram uma massa e um vinho tinto. Almoçaram em silencio. Durante a sobremesa, foi Carlos quem quebrou o gelo:
- eu sei que vai me deixar. Eu só queria saber o porquê.
- Mas... como você sabe?
- Os castelos de areia.
- Sim. Os castelos. Fizeram silêncio por um tempo e Carlos voltou a falar:
- Você estava distante, já tem algum tempo. Eu percebi, mas pensei que fosse só uma fase, que iria passar, preferi ficar calado, na minha. Ontem à noite, entendi que iria me deixar.
- Mas, Carlos, não é bem assim...
- Eu até entendo, quer dizer, não sei se entendo, talvez até entenda, mas não aceito. Mas antes de qualquer coisa, preciso saber quais as ondas que estão te levando. Você arranjou outro? Pode dizer...
- Não, Carlos. Pelo amor de Deus. Não é nada disso.
- E é o quê?
- Eu cansei, cansei desta vida que estou levando, cansei do meu trabalho. Preciso mudar de ares. Eu mudei e agora preciso mudar de ambiente. Preciso ir em busca de novos prazeres.
- E, porque eu não posso ir junto?
- Não é que não possa. Mas, você não iria. Não vai largar sua carreira, seu reconhecimento...
- Marli, eu te amo. E faço qualquer coisa pra ficar ao teu lado. Só preciso saber se você ainda me ama...
- Eu, eu, claro que eu te amo. Apenas quero mudar de cidade para realizar um antigo projeto de alfabetizar crianças carentes em cidadezinhas do nordeste.
- Se você quiser...
- Eu quero!
- Então, pedirei demissão agora mesmo e vamos para a Bahia reconstruir nossos castelos de areia.
Fau Ferreira
P.S. Considero este o conto mais lindo que já escrevi.
4 comentários:
lindo! muito lindo mesmo fau.
Muito lindo! Quando li, senti vontade de criar, de recriar meus castelinhos que deixei esquecidos numa cidade por aí!
tão simples....tão belo!
LINDO MESMO!!!
Muito lindo, fauzinha...
me arrepiei várias vezes!
Ual!
...
Tão sensível, doce, verdadeiro.
Parabéns!!
=D
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