Quando ele chegou a sua porta todo molhado, debaixo daquele toró, na moto igualmente ensopada, sem blusão, capa ou qualquer outra proteção, ela não quis (ou antes não pode) acreditar. Convidou-o a entrar – era inevitável. Ficaram um tempo parados na porta se olhando, ela sem entender e ele sem explicar. Foi ela quem quebrou o silêncio:
- vou preparar um chá.
- não, não precisa.
- não é nenhum incômodo.
- não é isso... é que não gosto de chá.
Ela ficou parada pensando, tanto tempo, quer dizer, talvez não seja tanto tempo assim, alguns meses, mas de qualquer forma era algum tempo, algum tempo e ela não sabia nada sobre ele, nada sobre os seus gostos ou desgostos, não sabia quem ele era.
Ele continuava sendo para ela aquele mesmo estranho que batera na porta de sua casa numa tarde vazia e que ela deixara ficar. Como fez novamente naquela noite. Passou um café, buscou uma toalha, ele secou-se tirou a camisa, pendurou para secar, sentou-se no sofá. Ela escolheu um CD colocou para tocar, trouxe o café com biscoitos e sentou-se a seu lado.
Ele quis dar-lhe explicações, ela não quis ouvir, não era mais preciso.
- para quê tantas respostas para aquilo que não tem explicação? - disse serenamente.
Ele calou-se e deixou-se ficar como naquele primeiro dia em que chegara a porta dela triste, confuso, quase desesperado e deixou-se acolher pelo olhar doce daquela menina que por mais que quisera e tentara, não conseguia amar, não conseguia sequer conhecer.
Ela deixou-o ficar, mesmo sem amor ou explicações, talvez nada disso fosse preciso, talvez só a presença bastasse, talvez só alguém pra conversar, talvez só um sorriso furtivo, talvez só a dúvida, talvez só talvez.
Conversaram um pouco sobre assuntos aleatórios, do café passaram ao vinho, dos biscoitos aos petiscos. Depois passaram do sofá à cama e dividiram o mesmo lençol, o mesmo calor naquela noite chuvosa, os mesmos corpos, as mesmas salivas e o mesmo sono tranqüilo e profundo.
Na manhã seguinte, ela foi a primeira a acordar, com uma decisão, dessa vez estava disposta a conhecê-lo e não mais deixa-lo ir embora.